programa & referências: LET C53 (Narrativas Africanas de LP)

Europa_Nandipha Mntambo (Suazilandia)

 

PROGRAMA 2015-2

Veja um trailer do filme que será exibido na aula do dia 17/02:

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SAIBA MAIS!

“Este é um filme sobre os mecanismos da violência”

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A RESPEITO DA VIOLÊNCIA reintroduz a visão humanista e pós-colonial de Fanon através de uma viagem cinematográfica que nos coloca cara a cara com as pessoas para as quais os escritos de Fanon sobre a descolonização não eram apenas retórica mas uma realidade.

atualidade do cinema afro-luso-brasileiro: algumas indicações

 

TOP 10: Filmes da Lusofonia em 2014

LUÍSA FRESTA

No ano que, em Portugal, ficou marcado por duas estreias fundamentais (Os Gatos Não Têm Vertigens e Os Maias – Cenas da Vida Romântica), também nos restantes países do mundo lusófono assistimos a propostas de peso e de relevo, com profusão de documentários valiosíssimos e alguma ficção de (muita) qualidade. A sempiterna questão da escassez de financiamentos parece ser compensada por verdadeiro talento e uma resiliência a toda a prova. A arte é uma forma de resistência e de renascimento. O cinema traz-nos vida, cria vida e verosimilhança: quando tudo parece já ter sido inventado, surge um novo olhar que baralha os consensos cinzentos e redefine conceitos.

Quanto ao cinema de autor e ao cinema independente, que circula predominantemente em festivais, enfrenta inúmeras barreiras até tornar-se viável comercialmente e gerar um mínimo de receitas. Nollywood, a grande fábrica de filmes em vídeo da Nigéria, é um exemplo de visão e sucesso comercial nesta área e capta, desde há algum tempo, as atenções do Ocidente, e de festivais de referência como Cannes. Será esta a via? Talvez seja possível conciliar entretenimento de qualidade e cinema comercialmente viável.

Ousmane Sembène, o incontornável realizador senegalês, dizia : «Os políticos fazem cinema, nós fazemos filmes». Vamos tentar perceber de que matéria são feitos os filmes nos espaços geo-culturais em que vivemos, à luz das minhas escolhas, como sempre refutáveis, relativas aos filmes mais recentes.

Queremos um cinema plural e com vitalidade, que construa um bocadinho de futuro todos os dias. Nós, espectadores atentos, ansiamos por essa oportunidade de deslumbramento.

ACALANTO – Drama de Arturo Sabóia, 4 premiações no 4º Festival Curtas COREMAS (país: Brasil). Uma comovente interpretação cinematográfica do conto «A Carta» de Mia Couto. Um filho que parte de casa escreve uma única carta à sua mãe, uma velha senhora analfabeta; esta ampara-se na simpatia de um notário, que lhe lê vezes sem conta essa missiva de há anos atrás, acrescentando pormenores, recriando-a e fazendo reviver o filho desaparecido. Dessa relação construída nasce uma cumplicidade tocante, tão fundamental para um como para outro. Um diálogo feito de fantasia, ternura e silêncios. As performances dos veteranos Léa García e Luiz Carlos Vasconcelos acrescentam doçura e sobriedade a este drama tenso e intenso.

CAVALO DINHEIRO – Drama de Pedro Costa, Prémio Leopardo de Melhor Realizador, Festival de Lucarno (país: Portugal). Muita tinta tem corrido sobre esta obra que reúne consenso em torno da sua originalidade e qualidade. O emigrante cabo-verdiano Ventura, debilitado e envelhecido, conduz-nos a uma viagem aos infernos através dos seus delírios, registada pela câmara de Pedro Costa. O filme atravessa várias épocas, sugere um olhar introspectivo mas não exclui outras leituras, como ficou provado pela aceitação internacional do filme. É um filme belo, esplendoroso, que narra e simultaneamente liberta a imaginação. A medida do tempo é única e este escorre pelo personagem como se não pudesse ser compartimentado. O futuro mostrará que ciclo se termina, inicia ou se anuncia com Cavalo Dinheiro.

O GRANDE KILAPY- Comédia dramática de Zézé Gamboa, premiada no Festival Caminhos do Cinema Português (países implicados: Angola/ Portugal/ Brasil). A crónica de um bom malandro luandense, Joãozinho das Garotas, que driblou com o Estado Novo na década de 70 e viveu principescamente entre belas mulheres, automóveis de luxo e um curso que ia fazendo sem pressa, no Técnico, em Lisboa. Uma figura solidária como poucas, capaz de arriscar a própria vida, subsidiariamente engajado, não em nome de convicções mas apenas por amizade. Joãozinho ou Goldfinger terá sido também um burlão e amante descomplexado dos prazeres da vida sem questionamentos maiores, oscilando entre a frivolidade e um estilo inconfundível, unanimemente reconhecido. Zézé assina aqui a sua segunda longa, após O Herói, de 2004, um filme igualmente bem aceite pela crítica e pelo público.

OS GATOS NÃO TÊM VERTIGENS
– Drama de António Pedro Vasconcelos (país: Portugal). A minha tentação é dizer apenas: Maria do Céu Guerra. Para mim basta, incondicionalmente. Mas o grilo falante não nos dá tranquilidade e obriga-nos a ir um pouco mais longe; seria injusto não mencionar a magnífica prestação do resto do elenco e a vigorosa ousadia do argumento: uma viúva idosa que se envolve afectivamente com um rapaz, não é de todo cliché (pareceu-me ouvir esta crítica nalgum lado); tal situação, inabitual, é ainda alvo de um marcado e previsível preconceito, mesmo entre as camadas sociais ditas «esclarecidas», seja lá o que isso for em termos globais. Alvo de maledicência e chacota quase garantidas. Mas o mérito do filme não se resume a essa ligação amorosa, chamando também a atenção de forma contundente para o isolamento dos idosos e a delinquência juvenil, numa sociedade em que as pessoas se atravessam sem se verem.

OS MAIAS – CENAS DA VIDA ROMÂNTICA – Drama de João Botelho (país: Portugal). O cinema português ofereceu-nos este ano mais do que um motivo de orgulho, contando, neste filme, com um elenco prodigioso: Graciano Dias, Maria Flor, João Perry, Catarina Wallenstein e Rita Blanco, entre outros. Esta nova adaptação de Os Maias, romance fundamental de Eça de Queirós, consegue surpreender e propor um olhar fresco sobre a obra, apostando em cenários operáticos (à semelhança de outra obra literária adaptada com sucesso para o cinema em 2012, Anna Karenina, com a acção a desenrolar-se também no século XIX). O clássico romance transposto para o grande ecrã conta-nos o percurso trágico de Carlos da Maia, médico, que regressa a Lisboa no final do século XIX, para alegria do seu avô Afonso da Maia. Sempre rodeado de amigos e levando uma vida ociosa, Carlos acaba por apaixonar-se por uma misteriosa e esplêndida mulher construindo os alicerces do drama que o há-de consumir através de uma paixão arrebatadora e incestuosa. Diante dos nossos olhos desenha-se uma Lisboa que reencontramos na actualidade, sugerindo destinos e fatalidades de um país que, impregnado de tiques e incongruências, se descobre imerso em si mesmo.

IMPUNIDADES CRIMINOSAS
– Drama de Sol de Carvalho, segundo uma história original de Maria José Artur, premiado no FEStin 2014 (países implicados: Moçambique/ Portugal). Sara é uma reclusa, condenada pelo assassinato do marido, ao cabo de um longo historial de violência doméstica. Chiquinho Paixão, chefe de gangue local, reclama à viúva uma dívida contraída pelo seu marido e pretende forçá-la a casar-se consigo. Ela decide então evadir-se e refugiar-se na sua aldeia natal, tentando escapar a essa e outras perseguições. Neste thriller produzido com fundos próprios, Sara simboliza provavelmente as diversas formas de violência contra as mulheres numa atmosfera permanentemente tensa, e também uma certa ideia de redenção, ilustrada por uma resistência activa. Nunca é demais conferir visibilidade a esta temática (violência de género num contexto de violência social), e o cinema é um meio eficaz para o fazer. Neste caso com uma sobriedade e delicadeza dignos de nota, pois, como afirma o cineasta: «é no interior das pessoas, mais do que no corpo, que a violência se manifesta, magoa e perdura e é pelo interior que a libertação é possível».

IRMÃ DULCE –
Drama biográfico de Vicente Amorim (país: Brasil). A Irmã Dulce, conhecida por «Anjo Bom da Bahia», chegou a ser indicada para o Nobel da Paz. Uma figura solidária e caridosa que colocou em prática e deu sentido aos princípios cristãos, longe dos dogmas e dos rituais que se sobrepõem não poucas vezes à verdadeira essência dos valores éticos e morais nos quais se funda o nosso modelo social. A narração centra-se no período de 1940-1980 e desvenda um ser humano de uma coragem e coerência exemplares, que afrontou todo o tipo de obstáculos, até a indiferença e uma condição de saúde precária, para dedicar-se a cuidar dos mais carenciados. O seu legado perdura até aos dias hoje e esta é uma justa homenagem assim como um exercício de cidadania e de memória.

PECADO FATAL – Drama de Luís Diogo, premiado no 1º Festival de Cinema de S. Tomé e Príncipe (país: Portugal). A jovem Lila regressa a Paços de Ferreira para investigar as suas origens, uma vez que foi abandonada recém-nascida junto a um contentor do lixo. Nessa viagem iniciática conhece Nuno, por quem se apaixona. Mas este oculta um pecado fatal que poderá pôr em risco o envolvimento romântico. Note-se que apesar de ser a primeira longa-metragem de Luís Diogo, auto-financiada pelo cineasta e argumentista, e rodada com um orçamento muito reduzido, tem vindo a somar apreciações positivas da crítica e do público.

KORA
– Documentário de Jorge de Carvalho, premiado na 5ª edição do Festival Internacional de Cinema de Cabo Verde (países implicados: Guiné Bissau/ Portugal). Descobri este belo testemunho através das Jornadas Europeias do Património de 2014, no Museu Nacional do Teatro. Entretanto o documentário tem feito um percurso invejável e merecido, viajando um pouco por todo o mundo. Jorge de Carvalho rodou-o na Guiné Bissau, onde, junto com o virtuoso Mestre Braima Galissá, registou com rigor e respeito o percurso e a história da kora, este mítico instrumento de cordas em torno do qual existe uma enorme sacralização, também usado noutros países da África Ocidental que reclamam igualmente a sua origem (Senegal e Gâmbia) e popularizado por outros músicos de renome da região (Toumani Diabaté ou Ballaké Sissoko, ambos do Mali, ou o senegalês Idrissa Diébaté). Braima Galissá é um intérprete e contador de histórias que nos proporcionou, em aditamento ao documentário, um mini-concerto ao vivo. E fico-me pela frase dos créditos finais: «Povo que canta os seus antepassados não morrerá».

TERRA TERRA – Documentário de Paola Zermar (país: Cabo Verde). Curta-metragem que pretende lançar um olhar original sobre as tradições da Ilha do Sal, conduzido pela italiana Paola Zermar, professora de Arte radicada no país há vários anos; conta com a participação de vários artistas locais e coordenação jornalística a cargo de Albertina Rodrigues. O filme foi produzido inteiramente em Cabo Verde. Uma festa para os sentidos, com brilho, cor, sabor e ritmo, e uma textura quase palpável. Mais um registo de interesse cultural público, dentro e fora do arquipélago.

No panorama do cinema lusófono, Portugal e Brasil hoje ocupam uma posição comparável à que França ocupa no cinema francófono, isto é, são muitas vezes o denominador comum de obras de diferentes géneros e latitudes. No entanto, não assumem, ao contrário de França, uma posição tão preponderante no financiamento, destacando-se sobretudo ao nível de know how, tanto no plano artístico como técnico.

FONTE: Cultura

“Fahrenheit 451”: um olhar ainda instigante para a crise da leitura

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Obra fundamental para refletirmos sobre as relações entre cultura da imagem e cultura da palavra no mundo contemporâneo, bem como acerca do tenso valor adquirido pela literatura nesse contexto, o filme Fahrenheit 451 mantém-se uma obra muito atual também na abordagem dos conflitos entre subjetividade e sociedade, mostrando como nossos dilemas pessoais refletem em profundidade nossos questionamentos acerca dos ordenamentos sociais e políticos.  Se quiser saber mais sobre esse filme, que foi adaptado do romance homônimo do escritor norte-americano Ray Bradbury, sugerimos a leitura do artigo Montag e a memória perdida: notas sobre Fahrenheit 451  de François Truffaut (clique para acessar). Conforme diz o crítico literário alemão Wolfgang Iser, as obras ficcionais constróem realidades que nos ajudam a entender outras realidades, tais como a própria realidade histórica. O vídeo a seguir, reunindo imagens de acontecimentos sucedidos há cerca de meros 80 anos atrás na Alemanha, imagens que se reproduziram em novembro de 2011, nos Estados Unidos, durante intervenções policiais contra os acampamentos de indignados, e que infelizmente se repetem entre todas as épocas e povos que submergem na intolerância, atesta a persistente relevância do filme de Truffaut.

 

algumas sugestões para as pesquisas acerca do caso ônibus 174

A montagem acima possibilitar visibilizar com mais nitidez as várias intersecções entre os filmes de José Padilha e de Bruno Barreto. Entretanto, na elaboração dos dossiês pelas equipes é muito importante assinalar, também, as divergências e, em especial, o que poderíamos considerar como as “encruzilhadas” interpretativas que se abrem quando comparamos as duas versões, ou seja, os momentos em que conclusões contraditórias sobre a trajetória de Sandro, ou sobre o significado social  do sequestro, são propostas ou sugeridas pelos diretores.

Para aqueles que estão em busca de mais materias, seguem abaixo alguns links de fontes interessantes (clique nas imagens):

youtube 174

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ihu 174

bdtd 174

o caso “ônibus 174”: nossa pauta de estudo e de avaliação na LET A32

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Conforme foi discutido na aula de 21/10, aceitaremos a proposta feita no artigo de Maria Rita Kehl debatido nas últimas semanas e nos dedicaremos a um estudo da constituição do imaginário brasileiro pela mídia montando um dossiê acerca daquele que é considerado por muitos como o mais importante acontecimento midiático no Brasil, isto é, o sequestro de um ônibus e algumas passageiras por um menino de rua chamado Sandro, acontecido no Rio de Janeiro em junho de 2000. Seguem abaixo alguns parâmetros relacionados à atividade de avaliação que desenvolveremos tomando como foco esse dossiê:


Divididos em duplas, @s estudantes devem elaborar um relatório de pesquisa sobre o tema:

AS REPERCUSSÕES DO CASO “ÔNIBUS 174” NO IMAGINÁRIO BRASILEIRO

Caberá a cada equipe selecionar e resumir pelo menos CINCO textos midiáticos (reportagens, crônicas, resenhas, artigos acadêmicos, documentários/curta-metragens para cinema ou TV etc) que abordem de maneira direta ao tema proposto ou permitam desenvolver articulações produtivas acerca dele. O relatório deve ser finalizado com um texto digressivo (40-60 linhas) no qual os filmes Última Parada 174, de Bruno Barreto, e Ônibus Linha 174, de José Padilha, sejam comentados (ambos ou um dentre eles, à escolha) considerando as informações obtidas através da pesquisa.

ENTREGA: 02-09/12/2011;  VALOR: 9,0 pts.


Foi solicitado que @s estudantes procurem assistir por meios próprios, e assim que possível, ao filme de Bruno Barreto, de maneira a que já possamos começar a discutir esta obra na aula de 04/11. Clicando nas imagens acima você será direcionado para a postagem do prestigiado site CINE CONHECIMENTO que disponibiliza cópias de ambos os filmes. Recomendamos também a leitura da reportagem abaixo publicada no GI, portal de notícias da Rede Globo, texto que pretende oferecer um panorama amplo da memória acerca do Ônibus 174. Maiores detalhes sobre a atividade serão esclarecidos na próxima aula.

 

Após 10 anos, sequestro do ônibus 174 vive na memória de testemunhas

Elas viveram horas de tensão e recordam tragédia que teve duas mortes.
Ex-capitão do Bope revela que oficial chorou por operação ter falhado.

Bernardo Tabak, G1, 12/06/2010

Passados dez anos, o sequestro do ônibus 174 ainda está muito vivo na lembrança de pessoas que, de alguma maneira, vivenciaram o episódio.

Permanece na memória da repórter que narrou, ao vivo, o sequestro pela TV durante mais de três horas.

Sobrevive, rico em detalhes, no relato do porteiro do clube localizado em frente ao local onde ocorreu o crime. E nas recordações de uma estudante universitária que se tornou jornalista, e que por muito pouco não embarcou no ônibus.

O sequestro, que ficou marcado no histórico de violência do Rio, terminou com a morte de uma refém e do sequestrador, numa ação policial considerada desastrada por especialistas em segurança pública.

“Lembro perfeitamente, como se fosse agora. Estava o maior engarrafamento, e o ônibus vinha lá atrás. Era o que eu pegava todo dia, da faculdade para casa”, conta, sem titubear, a jornalista Antonia Martinho da Rocha, de 30 anos, que, na época, estudava na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na Gávea, na Zona Sul.

Trajeto do ônibus é relembrado por testemunhas do crime
O ônibus 174 fazia a linha Gávea-Central, e tinha saído do ponto final, próximo à Favela da Rocinha, na Zona Sul. “Como estava muito atrasada, peguei um táxi, que estava uns três carros antes do ônibus. Cheguei a fazer sinal para o motorista do 174, mas, depois, mudei de ideia”, detalha Antonia. “Eu lembro da Luana entrando no ônibus. Cheguei a dar ‘tchau’ para ela”, conta a jornalista, referindo-se a Luana Belmont, que foi uma das reféns e era colega de classe.

“Por volta das três da tarde, o ônibus foi parado por uma patrulha bem em frente à cabine onde trabalho”, lembra Ronaldo Veras Silva, que há 15 anos faz segurança para moradores de edifícios localizados em frente ao Parque Lage, no bairro Jardim Botânico, na Zona Sul. “Não pude nem pegar meu cigarro, nem o café, que estavam na cabine”, recorda Veras.

Há 13 anos, Álvaro Delvalle dos Santos Filho é porteiro do Clube Militar, próximo ao local do sequestro. Ele se recorda da mulher que avisou à polícia que havia assaltantes no ônibus. “Ela contou aos policiais, na minha frente, que tinha visto dois ladrões sentarem no banco atrás do motorista, depois de terem embarcado na Rua Jardim Botânico, na altura da Rua Lopes Quintas. E que um deles, o Sandro do Nascimento (que fez os passageiros reféns), colocou uma arma em uma bolsa”, conta.

“Ela disse que, então, saltou do coletivo avisou a uma patrulha. Quando os PMs chegaram, um dos ladrões se entregou, mas o Sandro continuou no ônibus, com os passageiros”, lembra Delvalle.

O porteiro Álvaro Delvalle aponta o local exato onde a professora Geisa foi baleada.O porteiro Álvaro Delvalle aponta o local exato onde a professora Geisa foi baleada. (Foto: Bernardo Tabak/G1)

Cobertura do sequestro em tempo real
Sandro do Nascimento era um dos meninos sobreviventes da chacina da Candelária, em 1993, e teve sua história contada em dois filmes: o documentário “Ônibus 174”, de José Padilha, e o filme de ficção “Última Parada 174”, de Bruno Barreto. Em uma entrevista ao G1, Barreto compara o sequestro do 174 com o ataque terrorista do 11 de setembro, em 2001, em Nova York.

Na época do crime, a repórter Vanessa Riche, que trabalhava para o canal a cabo Globo News, tinha um ano de formada. “Eu saí para fazer uma reportagem sobre um evento de moda, no Riocentro (Zona Oeste). Mas minha chefe pediu para ‘passar rapidinho’ no Jardim Botânico, eu devia apurar um assalto a ônibus”, conta ela. O “rapidinho” se transformou em quase quatro horas de cobertura, transmitida ao vivo, para todo o Brasil. “Assim que cheguei, me contaram que eram dois ladrões. Mas eu só vi o Sandro, dentro do ônibus, com os reféns”, recorda Vanessa.

O sequestro ganhou repercussão internacional. A rede americana de jornalismo CNN transmitiu as imagens para TVs a cabo de todo o mundo. “Para mim, ninguém estava vendo”, revela Vanessa. “Eu acreditava ser uma notícia muito local”, acrescenta. A repórter diz que só teve uma real dimensão da cobertura quando o jornalista Sidney Rezende, âncora da Globo News, chegou ao local do sequestro. “Ele me disse: ‘Vanessa, você não faz ideia da repercussão’”, conta ela.

“Foi uma das ocorrências de violência no Rio de Janeiro mais midiáticas que me lembro”, comenta o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da Polícia Militar, Rodrigo Pimentel​. Na época, nos bares da cidade, nas vitrinas de lojas de eletrodomésticos, onde havia uma TV, tinha um grupo de pessoas que pararam para assistir ao sequestro, em tempo real.

Violência do sequestrador causou sustos e revolta
Vanessa Riche conta que sentiu muito medo quando Sandro do Nascimento deu o primeiro tiro, que atravessou o para-brisa do ônibus. “Ele não queria a imprensa por perto, e eu estava mais para a frente do ônibus. O tiro foi na minha direção. Eu corri e me escondi atrás de uma árvore”, lembra.

Um dos momentos do sequestro que mais marcou o porteiro Delvalle foi quando Sandro atirou contra uma refém, que estava no chão do ônibus. “Todo mundo achou que ela tinha morrido. Queriam arrebentar o cordão de isolamento para pegar o sequestrador”, recorda ele. Mais tarde, descobriu-se que Sandro tinha avisado à refém que não iria matá-la, mas que ia atirar para forçar os policiais a atenderem às exigências.

Durante o sequestro, por pelo menos duas vezes, Sandro chama por uma tal Ivone. Na verdade, a mulher a quem Sandro se referia tem a grafia bem diferente do convencional. A artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, que tem um projeto social onde cuida de crianças traumatizadas pela violência, conhecia Sandro desde a Candelária.

“Eu fui muito importante na vida dos meninos da Candelária”, recorda Yvonne. Quando soube do crime, à noite, assistindo ao Jornal Nacional, da TV Globo, ela ficou com uma sensação de culpa. “E se eu tivesse ido até o local? E se eu tivesse feito alguma coisa? Mas o destino não quis”, lamenta.

(CONTINUA…)